Esporte

Futebol Uruguaio – Parte I: Entre Glórias e Ruínas

Capítulo 1: A identidade de um país

Seleção uruguaia de 1930, vencedora da Copa do Mundo
Seleção uruguaia de 1930, vencedora da Copa do Mundo

Há diversas teorias que tentam explicar a origem do nome Uruguai. Em uma delas se fala sobre um tipo de caracol que vive naquele lugar. A certeza é que a palavra é de origem Guarani, povo indígena que ainda habita a região norte do país. O Uruguai é também a terra dos exterminados índios Charruas, que deixaram como uma marca ainda presente no sentimento da população do país a garra, luta e batalha. Todas essas características que marcam o povo uruguaio são também as marcas de seu futebol.

Historicamente, a seleção uruguaia é um elemento da identidade nacional, como ressalta o sociólogo Ignacio Pardo “Quando vê o exército, nenhum uruguaio sente que ali está a pátria. Em outras manifestações de vida social, também não. Mas quando está a seleção de futebol, sim, ali está o Uruguai. E se compra esse pacote, digamos, dramatúrgico, de significação da nação, se sofre como se ao país estivesse acontecendo algo mais que a uma seleção de futebol”.

Os uruguaios foram os bicampeões olímpicos em 1924 e 1928, os primeiros campeões do mundo em 1930, o nosso velho fantasma de 1950, 15 vezes campeão da Copa América, 8 vezes campeão da Libertadores e 6 vezes campeão do Mundial de Clubes com os seus dois gigantes Peñarol e Nacional. Como pode um país com pouco mais de 3 milhões de habitantes espalhados por uma área tão pequena de 176.215 km², quase escondido entre o Brasil, Argentina e Oceano Atlântico, é capaz de produzir a quantidade de bons jogadores que produz? É quase um milagre. Talvez o santo que opere esse milagre esteja nas centenas de clubes de bairro que existem e o impacto social que produzem ao tirar os “niños” dos caminhos errados da vida e forma-los como pessoas para colocá-los nos caminhos dos clubes da capital, que por sua vez os formam como atletas.

Nas várias voltas que a vida dá, tal qual a concha do caracol que dá nome ao país, as gerações que o futebol uruguaio teve viveram bons e maus momentos. Mas o que sempre esteve lá era o ensinamento dos Charruas, fazendo da escola uruguaia de futebol uma das mais respeitadas do mundo.

Capítulo 2: Auge e Decadência

O times uruguaios Nacional (esquerda) e Peñarol (direita) foram os vencedores da Copa Libertadores da América em 1980 e 1982
O times uruguaios Nacional (esquerda) e Peñarol (direita) foram os vencedores da Copa Libertadores da América em 1980 e 1982

Recebendo forte influência do futebol inglês, as primeiras gerações do futebol uruguaio adotaram a pirâmide (2-3-5) como esquema tático, sendo os primeiros a fazer isso no continente americano. A disciplina dos jogadores a este conceito de jogo era tão grande que surpreenderam até mesmo os inventores do futebol ao conquistar um bicampeonato olímpico nos anos de 1924 e 1928, marco tão importante e celebrado que rendeu o apelido “a celeste olímpica” à seleção, que agora despontava como a grande favorita para a primeira Copa do Mundo, realizada em 1930 no próprio Uruguai. O então recém-construído Estádio Centenário viu a geração de José Leandro Andrade, Héctor Castro, Héctor Scarone e Pedro Cea vencer a Argentina e conquistar a taça pela primeira vez.

Na esteira das primeiras conquistas, uma nova geração se formava, talvez ainda mais brilhante e disciplinada que a anterior. Essa é a geração de Obdulio Varela, Alcides Ghiggia e Juan Alberto Schiaffino, que calaram 200 mil vozes no Maracanã ao conquistarem o segundo título mundial em cima do Brasil em 1950.

Ao largo disso, essas duas gerações venceriam 10 Copas América e ainda seriam semifinalistas nas Copas de 1954 e 1970, esta última já sem os grandes nomes do bicampeonato. Após esses primeiros 30 anos de enorme relevância, a seleção uruguaia passou por uma grande crise de identidade. O futebol taticamente disciplinado e batalhador passou a ser confundido com um jogo violento e desleal, que foi aceito não só por quem comandava o futebol como por quem comandava o país. Era o reflexo de uma ditadura militar, que fez a seleção perder seu brilho. Em contrapartida, o futebol dos clubes uruguaios iria viver seu auge exatamente se utilizando dessa formula. Peñarol conquistaria um tricampeonato da Libertadores na década de 60. O Nacional venceria pela primeira vez em 1971. E, nos anos 80, ambos venceriam mais 2 títulos cada um. Porém, mesmo com o fim do período militar, esse estilo bélico de jogar futebol se manteve e cada vez se tornava mais violento, causando até mesmo punições aos clubes e seleção.

Os anos 1990 e 2000 foram os piores para o futebol do país: uma entressafra de jogadores, uma identidade deturpada de jogo e escolhas impopulares para o cargo de treinador da seleção, quebraram a confiança do uruguaio no seu esporte favorito. Era necessário voltar para a sala de aula.

Matheus Alves

Matheus Alves, 23 anos, estudante de Educação Física e auxiliar técnico de futsal na Casa de España.