DESTAQUESEsporte

O fracasso de um projeto

A Qatar Sports Investments é um fundo de investimento ligado ao governo do Qatar tendo como CEO o sheik Nasser Al-Khelaïfi. Este fundo, em 2011, adquiriu 100% do Paris Saint-Germain, tradicional clube da capital francesa, com o intuito de torná-lo uma potência do futebol francês e europeu, além de diversificar a economia do Qatar, isto é, fazer o que hoje conhecemos como sportswashing: uma forma de melhorar a reputação de um indivíduo, empresa ou até mesmo de um pais que são marcados por práticas erradas.

Doze anos após seu início, o projeto esportivo do PSG parece chegar a um ponto de não-retorno. O projeto esportivo do PSG começa com a contratação do diretor esportivo Antero Henriques, recém-saído do Porto, que, a princípio, faz tudo ocorrer como pensado. Estar numa cidade como Paris, rodeada de talento jovem escondido em suas ruas e arredores, fazer florescer rapidamente a principal categoria de base da França e uma das principais da Europa, algo que deveria ser a solução do clube, mas que acabou se tornando um problema.

No futebol profissional, os primeiros anos de projeto foram de enorme sucesso: as contratações de craques como Ibrahimovic, Thiago Silva, Lavezzi e Matuidi, mescladas com a chegada de jovens com enorme potencial como Cavani, Pastore, Verrati e Lucas Moura, tendo o comando técnico do grande Carlo Ancelloti, fez com que, já na segunda temporada de projeto, o clube conquistasse o primeiro titulo nacional.

Ancelloti saiu logo após o titulo e deu lugar a Laurent Blanc, que até hoje é o treinador que mais tempo ficou no clube durante o comando do QSI. Durante esse período, veio o segundo passo do projeto e também os primeiros erros. A chegada de grandes jogadores continuou: David Luiz e Di Maria, e mais jovens como Marquinhos, Digne e Aurier. Isso ajudou o time a dominar o futebol francês, ao ponto de o PSG acumular títulos da liga e das copas nacionais. Porém, a categoria de base começou a ser deixada de lado. Jovens de muito potencial chegavam à equipe principal e eram pouquíssimo aproveitados. Com o tempo, começariam a ser até mesmo escanteados até serem vendidos por preços baixíssimos, isso quando não eram liberados de graça.


Antero Henriques, Blanc e Ibrahimovic deixaram o clube ao final da temporada 2015-2016 podendo marcar, assim, o fim desse primeiro momento do clube e o começo do que seria o momento megalomaníaco e destrutivo desse projeto. O brasileiro Leonardo substituiu Antero. Para o lugar de Blanc, chegou o espanhol Unai Emery e, entre entradas e saídas de jogadores, o próximo passo então seria dado: a busca pela Champions League era a forma de chancelar o projeto e essa obsessão fez o clube ter uma terrível temporada, perdendo o campeonato nacional e tomando uma virada completamente improvável que levou o PSG a ser eliminado pelo Barcelona na Champions. Emery, entretanto, ganhou uma segunda chance e ainda foi presenteado: Neymar se tornaria a maior contratação da história do futebol ao ser adquirido pelo PSG por 222 milhões de euros junto ao Barcelona.

Neymar não chegaria apenas para ser a grande estrela do PSG, mas também o garoto propagando do governo Qatari, que comandava o clube e que em pouco tempo receberia uma Copa do Mundo. O brasileiro, por sua vez, tinha o sonho de ser, finalmente, protagonista e melhor jogador do mundo. Junto de Neymar, veio também a grande revelação do mundo até então: Kylian Mbappé, campeão francês e semifinalista da Champions League com o Mônaco aos 18 anos. E também Daniel Alves. Tudo então parecia pronto para a grande conquista. Porém, novamente, não aconteceu e, mesmo recuperando o título nacional, Emery, ao fim da temporada, foi demitido para a chegada de Thomas Tuchel.

O alemão voltou a dar um padrão de jogo para a equipe, que continuou sua hegemonia nacional e, na sua segunda temporada, chegou a final da Champions League. E aí tudo parecia estar perto: a chave de ouro, a chancela para a marca do clube. Porém, o PSG conseguiu dificultar o jogo contra um super Bayern Munchen. No entanto, a derrota por 1 a 0 adiou o sonho e aumentou a perturbadora obsessão pelo título europeu. E mesmo com Tuchel fazendo um excelente trabalho, acabou por ser demitido.

Dessa vez, chegaria Maurício Pochettino. E chegou também o auge da megalomania que se tornou esse projeto. Jogadores como Donnarumma, Wijnaldum, Hakimi foram comprados. Sérgio Ramos, saído de graça do Real Madrid, e Lionel Messi (simplesmente Lionel Messi, depois de uma vida no Barcelona) chegariam para reforçar o time. Cada vez mais parecia uma propaganda do governo do Qatar para a Copa do Mundo e menos um time de futebol.

Leonardo, que já acumulava problemas na condução dos trabalhos e dos vestiários, botava cada vez mais os jogadores contra os torcedores e vice-versa. Os fracassos esportivos começaram a ser mais frequentes: eliminações nas copas domésticas, a perda de mais um título nacional, agora para o Lille, e uma Champions League que parecia cada vez mais distante. Nem mesmo a troca de Leonardo por Luís Campos, numa tentativa de reencontrar os rumos desse projeto, parece dar efeito. E chegamos ao momento presente, o fim da temporada 2022-2023.


Podemos eleger várias causas para o momento que vive o clube francês. Primeiramente, há os fatores externos, como a dicotomia entre ser um clube de futebol e um agente de propaganda de um governo, levantou a fúria dos torcedores do clube, canalizada não só no dono, mas também muito nos jogadores que, por sua vez, servem mais como garotos-propaganda do que como atletas que de fato o são.

Além disso, a falta de uma identidade e personalidade como clube ligado a sua cidade, ligado aos anseios dos seus torcedores e a relação deles com o clube, com seus ídolos, com os jogadores formados no clube, com os títulos.

Também podemos apontar os fatores esportivos. Ter uma categoria de base extremamente bem-sucedida, mas que é abandonada pela falta de paciência e de profundidade de um projeto cada vez mais imediatista. Jogadores nascidos no clube, como Aréola, Maignan, Mendy, Rabiot, Guendouzi, Diaby, Dembele, Nkunku e Coman, que deveriam ser presente e futuro de um PSG consolidado, mas que saíram do clube e hoje estão brilhando pela Europa, alguns já com carreira vitoriosa.

Em terceiro lugar, a falta de uma liderança que tocasse o projeto de forma autossustentável, que fosse o elo entre clube e jogadores, jogadores e torcida, torcida e clube.

Por fim, uma obsessão cega por chancelar a marca do clube com um título europeu que fez o clube perder o básico, que é se esforçar minimamente em ganhar as competições locais. Ganhar o campeonato francês parece cada vez mais um fardo do que uma glória. As copas então nem se fala.

O que fica de lição é que dinheiro pode comprar muita coisa no futebol, mas não compra a alegria dos torcedores, porque tudo vem e vai: o dinheiro, os donos, os jogadores, os títulos, mas o torcedor e sua paixão ficam.

Matheus Alves

Matheus Alves, 23 anos, estudante de Educação Física e auxiliar técnico de futsal na Casa de España.